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Meu cônjuge/companheiro saiu de casa, e agora? Tenho direito ao imóvel?

Meu cônjuge/companheiro saiu de casa, e agora? Tenho direito ao imóvel?

Não é novidade que a adaptação dos nubentes à convivência matrimonial, se torne uma árdua tarefa diária, afinal de contas, são dois seres humanos, com pensamentos, personalidades, e costumes completamente diferentes. Diferenças estas, que na grande maioria das vezes acabam gerando atritos e desgastes à relação afetuosa.

Diante das contrastantes nuances emocionais proporcionadas pela vida a dois, é comum que um dos cônjuges ou companheiros, não suportando o contexto ora apresentado, acabe por abandonar a residência familiar, o que de costume, ocorre antes mesmo da formalização do divórcio ou da dissolução da união estável.

Com efeito, muito tem se perguntado: A legislação brasileira confere direito de propriedade ao cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel cujo qual constituía a moradia do casal?

Bom, o Código Civil Brasileiro, em seu artigo 1.240-A, ao tratar do tema conhecido como usucapião familiar ou usucapião por abandono de lar, expressa, que o cônjuge ou companheiro, que tenha permanecido no imóvel constituinte da moradia familiar do casal, pode se tornar proprietário de tal bem, desde que preenchidos os requisitos legais constantes do artigo ora mencionado. Vejamos o que diz o texto legal:

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade dividia com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Conforme exposto no artigo acima mencionado, para aquisição do imóvel por meio da usucapião familiar, o cônjuge ou companheiro que permanece no referido bem, precisa preencher alguns requisitos. Vejamos quais são:

Primeiro requisito: voluntariedade e unilateralidade

O primeiro requisito é constituído pela voluntariedade e unilateralidade do cônjuge/companheiro abandonador, ou seja, o abandono do lar por um dos cônjuges/companheiros deve ser realizado de forma voluntária e livre de coação ou qualquer outro fator externo a motivar o abandono do imóvel.

Segundo requisito: posse ininterrupta do imóvel por no mínimo dois anos

O Segundo requisito a ensejar a usucapião familiar é a posse direta e exclusiva pelo lapso temporal de no mínimo 2 (dois) anos, que deve se dar de forma ininterrupta e sem oposição. Ou seja, o cônjuge/companheiro abandonado deve permanecer no imóvel por dois anos sem interrupção ou oposição do cônjuge/companheiro que veio a abandonar o bem que constituía a moradia familiar do casal.

Para fins gerais, é entendido como posse direta, aquela pela qual o indivíduo, possui, poder e contato direto com o bem, conforme disposto pelo artigo 1.197 do Código Civil Brasileiro.

Entretanto, para fins de aquisição da propriedade por meio da usucapião familiar, o conceito de posse disposto no referido artigo não é aplicado. Isso porque o Conselho da Justiça Federal ao realizar V Jornada de Direito Civil formulou o enunciado de número 502, o qual nos diz que:

ENUNCIADO Nº 502 – O conceito de posse direta referido no art. 1.240-A do Código Civil não coincide com a acepção empregada no art. 1.197 do mesmo Código.

Isso porque, segundo o que se entendeu ao redigir-se o referido enunciado, é que para fins da usucapião familiar/abandono de lar, o imóvel objeto de tal usucapião pode ser ocupada por membro da família de que se pleiteia a usucapião (exemplo: filho), haja vista que o artigo 1.240-A do Código Civil Brasileiro, é claro ao expressar “utilizando-o para sua moradia ou de sua família”.

Terceiro requisito: características do imóvel

O terceiro requisito, refere-se às características do imóvel que constituía a moradia do casal. Este deve ser de propriedade comum dos cônjuges, ou seja, os dois devem ser donos. O referido imóvel deve estar localizado dentro do perímetro urbano da cidade onde o casal residia, e tal imóvel não pode extrapolar a área máxima de 250 m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados).

Quarto requisito: finalidade do imóvel

O quarto requisito a proporcionar a aquisição da propriedade através da modalidade de usucapião aqui tratada, é a finalidade do imóvel. Este deve ser utilizado exclusivamente para moradia própria do cônjuge abandonado ou de sua família. Ou seja, se por exemplo, o marido abandonou a casa em que morava com sua esposa, esta deve utilizar o imóvel apenas para sua exclusiva moradia após o abandono.

Quinto requisito: ausência de outros bens imóveis

O quinto requisito, consiste na ausência de outros imóveis. Isso significa, que para que o cônjuge abandonado se faça valer da usucapião familiar, este não pode ser proprietário de outro imóvel, rural ou urbano.

Neste sentido, a fim de contextualizar os requisitos acima mencionados, imagine a seguinte situação:

Marido e mulher são proprietários de um único imóvel urbano de 250 m² localizado em determinada cidade. Tal imóvel constituía a moradia do casal onde conviveram durante a constância de toda união. Ocorre, que o marido, por acaso do destino, conheceu outra mulher muito atraente e elegante, por quem logo se apaixonou.  Não passado muito tempo, descontente com a atual vida conjugal que levava, por sua própria vontade decidiu abandonar sua atual companheira para se aventurar e viver essa nova paixão em outra cidade, ficando por mais de dois anos sem querer saber notícias sobre o imóvel que constituía sua antiga moradia, e muito menos de sua ex cônjuge.

Diante da situação acima apresentada, é possível que a ex-esposa do Marido venha a requerer o direito à propriedade do imóvel por meio da usucapião familiar?

A resposta é sim, visto que conforme já mencionado anteriormente,   exercendo a posse direta e ininterrupta, com exclusividade e sem oposição do ex cônjuge/companheiro (abandonador) pelo lapso temporal de 2 (dois) anos, sobre imóvel urbano de até duzentos e cinquenta metros quadrados, cuja propriedade era dívida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, e utilizando-o para sua moradia ou de sua família, o cônjuge que permaneceu no imóvel poderá adquirir o domínio integral do bem, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Desta forma, verifica-se que na situação narrada que a ex-esposa preenche os requisitos legais retratados pelo artigo 1.240-A do Código Civil Brasileiro, e poderá pleitear junto ao Poder Judiciário, o reconhecimento da usucapião familiar/por abandono de lar, e adquirir a propriedade do referido imóvel.

Em resumo os requisitos são:

  • Abandono do lar de forma voluntária por um dos cônjuges/companheiros;
  • Posse direta, ininterrupta e sem oposição do imóvel por no mínimo 02 anos;
  • Imóvel urbano não superior à 250 m2;
  • Imóvel com finalidade exclusivamente residencial;
  • Ausência de outros bens imóveis;

Para a usucapião familiar, o que é entendido por abandono de lar?

Como já demonstrado anteriormente, para que o cônjuge ou companheiro possa se fazer valer da modalidade de usucapião familiar deve este preencher alguns requisitos, sendo grande parte destes auto explicativos e de fácil compreensão.

Entretanto, no que concerne ao termo “abandono de lar”, verifica-se que o legislador civil acabou pecando na redação do texto legal, visto não expressar com clareza o que vem a configurar o referido instituto.

Desta forma, se trona muito importante ser ressaltado qual a real e atual definição para caracterização do abandono de lar, haja vista tal ato ser o principal ponto para constituição da modalidade de usucapião aqui tratada.

Diante tal omissão legislativa, o Conselho da Justiça Federal no encontro da VII Jornada de Direito Civil firmou o Enunciado de número 595 o qual expressa que:

“O requisito “abandono do lar” deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável.”

Desta forma, interpretando o referido enunciado, verifica-se que para ocorrência de abandono do lar é preciso que um dos cônjuges ou companheiros abandone  literalmente a posse do imóvel, ato este que conforme já mencionado deve ocorrer de forma voluntária, livre de coação ou qualquer outro fator a influir na intenção de abandono.

Somado a isso, o cônjuge ou companheiro abandonador deve  deixar de prestar assistência familiar ao abandonado e seus filhos caso haja, compreendendo a ausência de cumprimento dos deveres conjugais, tais como assistência material (alimentação, higiene e demais elementos para garantia da sobrevivência)  e dever de sustento do lar,  o que de inevitavelmente acaba  por onerar de forma desigual aquele que se manteve na residência familiar tendo que  arcar sozinho  com as despesas para a manutenção da família e do próprio imóvel.

Ressalta-se que de tal entendimento tem feito uso o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, ao julgar o Recurso de Apelação Cível de número 0004509-92.2016.8.16.0130.

Desta forma pode-se concluir que o abandono do lar é caracterizado por dois elementos: o efetivo abandono da posse do imóvel, e a ausência de prestação ou auxilio material ao cônjuge/companheiro e a família que permaneceu no referido imóvel.

É possível a caracterização de usucapião familiar em casos de união homoafetiva?

A união homoafetiva, cuja sua formação advém da união de pessoas do mesmo sexo, tem sido um assunto muito discutido em vários ramos da ciência social, e dentro da ciência jurídica, tal tema também ganhou um cenário especial, haja vista que uma das funções do direito é regulamentar a vida das pessoas dentro da sociedade, tendo este que inevitavelmente se adaptar às transformações trazidas por estas.

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF) em maio de 2011, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, de forma unânime equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, reconhecendo, assim, a união homoafetiva como um núcleo familiar.

Ressalta-se que além do reconhecimento pelo STF, especificamente sobre o tema aqui tratado, o Conselho da Justiça Federal em encontro da V Jornada de Direito Civil proferiu o Enunciado de número 500, o qual nos ensina que:

“A modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil pressupõe a propriedade comum do casal e compreende todas as formas de família ou entidades familiares, inclusive homoafetivas.”

Desta forma, diante de tal reconhecimento, verifica-se que o instituto da usucapião familiar deve ser aplicado a todas às formas de famílias, inclusive às homoafetivas, haja vista, que ao contrário senso se acabaria por violar a igualdade e a isonomia social, preceitos fundamentais da nação.

Qual o procedimento para ingressar com ação para reconhecimento da usucapião familiar ou abandono de lar?

Para que o cônjuge ou companheiro que preenche todos os requisitos acima mencionados e que pretende adquirir a propriedade do imóvel através da usucapião familiar ou por abandono de lar,  este deve se valer de uma ação judicial ou procedimento perante o Cartório de Registro de imóveis, para reconhecimento da usucapião de forma extrajudicial, conforme disposição constante do art. 216-A da Lei 6.015/73 – Lei de Registros Públicos. Vejamos:

Art. 216-A Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com […]

Tanto na esfera judicial como na extrajudicial, para que seja protocolado o pedido de reconhecimento da modalidade de usucapião  aqui tratada, deve o interessado procurar um advogado de sua confiança para análise do preenchimento dos requisitos acima tratados, e protocolar um pedido perante o Cartório de Registro de Imóveis da comarca onde se localiza o referido bem ou distribuir perante a vara competente a ação de usucapião familiar.

Ressalta-se que existem divergências quanto a competência para processar e julgar o pedido da usucapião familiar, visto que tal celeuma abarca questões de direito de propriedade, mas também questões envolvendo relação familiar.

Neste cenário, alguns Tribunais entendem que tal processo deva correr perante a Vara da Família, como é o caso de do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais[1] . Outros tribunais, como é o Caso do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná entendem que a competência para processar e julgar tal ação é da Vara Cível[2]. Ademais há entendimento de que tal processo também seja de competência concorrente entre a Vara Cível e a Vara de Registros Públicos, como é o caso do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[3].

Particularmente, por se tratar de ação que possui como principal finalidade a aquisição de um direito de propriedade, entendemos que tal processo deva tramitar e ser julgado perante o juízo da vara cível em que se localiza o referido imóvel. 


[1] TJMG – Conflito de Competência 1.0000.22.230991-6/000, Relator(a): Des.(a) Paulo Rogério de Souza Abrantes (JD Convocado), 4ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 04/05/2023, publicação da súmula em 05/05/2023

[2] TJPR – 18ª Câmara Cível – 0073517-19.2016.8.16.0014 – Londrina –  Rel.: SUBSTITUTA LUCIANE BORTOLETO –  J. 19.04.2023

[3] (TJ-SP – AI: 22595666120208260000 SP 2259566-61.2020.8.26.0000, Relator: Penna Machado, Data de Julgamento: 21/01/2021, 2ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/01/2021)